sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Conversas de Gajos


Este verão que nunca mais termina, convidou-me ontem após o jantar, a uma voltinha de biciclete , que sabe tão bem. O cheiro dos pinheiros, os poucos que ainda vão sendo poupados na zona onde moro, é-me particularmente agradável à noite e pela manhã. Mas, pouco pedalei. Passando pela esplanada do café habitual para uma biquinha, dou com alguns amigos da velha guarda, uns com os quais me cruzo com alguma frequência, outros nem tanto. Não pude recusar o convite à cadeira, à bica e mandar o biciclo às urtigas, pois a conversa estava animada, e pedia-se mais uma opinião. O tema era, para meu espanto, o desejo. O desejo de nós, gajos, num sentido lato. Latíssimo. O desejo discutido generalizava-se ali na mesa, tanto pela mulher, como por objectos, tais como o inevitável prolongamento masculino, o carro, e mesmo outros tão banais como um par de sapatos, um cd, ou um relógio.
Enquanto que uns metiam tudo no mesmo saco, e para eles o importante era ter, possuir, ser dono de, adquirir, outros mais moderados e sensatos separavam as águas. Mas havia ali, naquela conversa de gajos um sentimento cumum - o de que depois do cume alcançado, a coisa perdia a piada. O desejo, se não morria, ali, no cume, ficava no mínimo moribundo, pela metade, com os olhos, afinal, o desejo, já focados em outro cume, o próximo, esse sim o que corresponderia às expectativas criadas.
Fui contra a corrente, discordei, bati-me em argumentos, de que penso e sinto precisamentante o contrário - uma vez alcançado o cume, vem o mais sublime - o disfrute, e sendo o caso, a partilha, o dar e receber. Logo se levantou um coro de protesto do machame presente, duvidando das minhas convicções. Tratei de ripostar que um dos critérios reside na escolha, e na certeza da mesma, bem como na determinação em peneirar, e anular tudo o que não nos diz muito, que não nos toca, que não mexe cá dentro, mas os gajos não ficaram convencidos. E, verdade seja dita, não fui ali para convencer ninguém, apenas pretendo continuar a ser, como diz o Forest Gump: Eu.
Finda a conversa de gajos, montei a minha biciclete, que não penso em trocar, pensando no bom que é fazermos as escolhas certas, nem que para isso demoremos mais tempo. O tempo necessário, afinal. Com os inevitáveis, e por vezes necessários erros pelo caminho. Muitas vezes, só no erro se aprende a escolher.

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