quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Saramago, por ele mesmo

Leio "os cadernos de Lanzarote", e deparo-me com inúmeras referências a Deus. Saramago comprou desde sempre uma guerra com Deus, e os seus defensores, bem como uma devoção raiando a cegueira à causa comunista, a qual, sabemos, presta tanto como as restantes, direita, socialista, social-democrata, todas pecam por falsas, porque não passam de uma fraude na prática, por mais puras e bem intencionadas que  o sejam na teoria. É como diz o outro: a diferença entre direita e esquerda, reside apenas em qual das mãos te vai roubar.

Sobre a figura divina, partilho da frase de Woody Allen - se Deus existe, é bom que tenha uma boa explicação. E por aqui me fico. Não nutro ódios, revoltas, comentários incendiários, primeiro porque respeito os que crêem (exigindo-lhes reciprocidade), segundo porque sou com São Tomé (outra figura inventada). No entanto mesmo sendo incisivo, Saramago tem a meu ver um raciocínio prático e lógico, mesmo quando agressivo, pois aquilo que por ele é escrito é muito mais comprovável do que qualquer  defesa dos que acreditam haver a dita existência superior.

"Como será possível acreditar num Deus criador do Universo, se o mesmo Deus criou a espécie humana? Por outras palavras, a existência do homem, precisamente, é o que prova a inexistência de Deus."

"Deus, definitivamente, não existe. E se existe é, rematadamente, um imbecil. Porque só um imbecil desse calibre se teria lembrado de criar a espécie humana como ela tem sido, é -- e continuará a ser."

"Como poderiam saber os judeus que estavam matando alguém que tempos mais tarde umas quantas pessoas afirmariam ser, simultneamente. Desu e filho de Deus? permitiria Deus, se existisse, que em seu nome se criassem estas confusões e estes conflitos, estes ódios absurdos, estas vinganças demente, estes rios de sangue derramado? Pergunto. Não apareceria ele por aí, com um sorriso triste, a dizer à gente: olhem que não vale a pena. A morte é certa e eu não posso fazer nada."

"levaram Deus a todos os lugares da terra e fizeram-no dizer: "não adoreis essa pedra, essa árvore, essa fonte, essa águia, essas luz, essa montanha,, que todos eles são falsos deuses. Eu sou o único e verdadeiro Deus". Deus, coitado dele, estava caindo em flagrante no pecado de orgulho".

"Deus não precisa do homem para nada, excepto para ser Deus".

"Cada homem que morre é uma morte de Deus. E quando o último homem morrer, Deus não ressuscitará."

"Os homens a Deus, perdoam-lhe tudo, e quanto menos o compreendem, mais o perdoam."

"Deus é o silêncio do universo, e o homem o grito que dá sentido a esse silêncio."
in Cadernos de Lanzarote I e II


de volta

Ao cabo de umas semanas, aqui regresso, às escritas, bem como às espreitadelas aos blogues que gosto de visitar. Por vezes as pausas e as ausências são necessárias, e por outras, mesmo não havendo motivo ou causa aparente, elas acontecem, porque afinal este acto, o da escrita por aqui, ainda é um acto livre, isento de obrigações, que não a da vontade. Não é o caso de falta de assunto, antes pelo contrário, o que não falta são assuntos, e quantos deles, tão assuntos que não podem ser narrados. Ah, afinal talvez exista aqui O motivo. Hummmm, talvez não.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

a nossa mochila pode e deve ser perpetuada

mochila I
A propósito daquilo que carregamos durante a vida, umas tralhas devem sim, ser carregadas, e outras, simplesmente anuladas. Cabe a cada um de nós decidir sobre quem, e o que, vai e quem,  e o que fica. Nos últimos dias tenho dedicado alguma parte do meu tempo a vasculhar por casa, as fotos. As que sempre foram minhas, e as que vieram por circunstâncias várias. Dou com fotos de 192e tal, totalmente desconhecidas, viro-as, na busca de um apontamento, dedicatórias. Decidi-me por revê-las e tratá-las. Fotografando cada uma delas, e depois de editadas, colocá-las num blogue que certamente só interessará aos amigos e parentes mais chegados. Não é apenas uma forma de conservar pro via moderna, estes testemunhos de papel. É também uma forma de reviver os momentos e as vidas que elas contém. Tem sido uma saborosa viajem, aos passados, misturada com alguma nostalgia e saudade, principalmente daqueles que já partiram. Não alinho muito no ditado - recordar é viver, pois viver é, para mim, presente e futuro. No entanto sabe bem recordar, como neste caso, a foto acima, onde aos meus tenros três ou quatro anos de idade, brinco tal qual vim ao mundo no quintal onde existiam galinhas, patos, coelhos, couves, oliveiras e tudo o mais que a foto não capta. Já me esquecera destes tempos. Não fosse a foto, não os revivia.
mochila II
Ando a ler os cadernos de Lanzarote e a dada altura, Saramago conta que numa sessão de autógrafos, assinou de uma rajada um exemplar de todos os seus livros publicados até à data. 30 contos de livros e para a mesma pessoa. Indagado o comprador, a resposta foi esclarecedora - divorciei-me, e os livros ficaram todos na outra casa. Assim são as mochilas, por vezes há que começar de novo, sem esquecer os velhos pertences.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

santa ignorância

Num dos pequenos intervalos havidos no casamento onde fui tocar no sábado passado, junto-me ao pessoal que serve as mesas da boda, em merecida pausa, engolindo uma "bucha" à pressa, e dando descanso às pernas. Diz-me um deles - aquilo que você toca é karaoke, não é? Nem tive tempo de abrir a boca, logo salta o chefe de sala em defesa da minha arte - és mesmo burro, então não vês que o homem toca e canta ao vivo? E logo outro se mete na conversa - gastei um dinheirão com o meu filho, numa viola, para ele aprender, e agora está lá parada a um canto, ele é bom é na playsation isso é que ele joga bem! E diz isto assim como quem diz que se o filho não tem queda para letras tem-na para as ciências. E nisto pegam-se todos numa discussão sem pés nem cabeça sobre os benefícios e malefícios da música, e dos video-jogos, como se comparações houvessem.

Sorte que chega o patrão e todos se levantam a fim de dar continuação ao trabalho. Eu, por ali fiquei mais um pouco, calado com estava, até porque a conversa não merecia palavras minhas, e porque havia que poupar a voz, para as canções que se seguiram.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Olé

Esforço vão o de tentar contrariar os quilos a mais e aquele pneu teima em não baixar de volume. O espelho e a roupa assim o atestam. Os olhares assim o confirmam.

Nunca gostei dela, e nem ela da mim. Foi antipatia ao primeiro grelhado. Explico: ela grelhava o peixe onde habitualmente eu almoçava. Sempre lhe pedia para não o deixar queimar. E o peixe sempre vinha para o lado do esturricado. A gota de água foi quando me serviu um robalo preto de um lado, e quase cru do outro. Mais tarde foi dispensada, bem como deve ter sido de outros locais, pois foi grelhar para Espanha.

Hoje encontro-a de visita ao antigo local de trabalho. E preparei-me - decerto que me vais chamar gordo - pensei. Há que preparar o contra-ataque. Falava com a ex-patroa, em sotaque espanholado, como se já não conseguisse falar a língua mãe. Como se uns meses aqui ao lado pudessem fazer uma pessoa com meio século esquecer-se. Até porque diz-se, burro velho não aprende línguas. E lá continuou a tagarelar em castelhano até que me diz: estás mais gordito, Jorge! Ao que eu retorqui, no melhor sotaque que pude arranjar: por supuesto que si, pero tu estás mui magricelita, quase que un palito!

Olé!


quarta-feira, 8 de agosto de 2012

de pais para filhos, de avós para netos, e a mochila do Clooney


Parte da minha casa contém parte dos pertences dos meus antecedentes mais chegados. Creio que é natural esta sucessão de passagem de testemunho. Não fossemos nós cinco netos e o espólio seria bem mais volumoso. Direi que tenho um pouco mais do que um quinto das tralhas, porque me fui apoderando de tudo o que sentia ter valor sentimental para mim, enquanto que, os restantes herdeiros se prendiam mais para os valores materiais. Recentemente deparei-me com várias caixas de fotografias, na esmagadora maioria a preto e branco, algumas datadas, e escritas com dedicatória, locais, observações. A mais antiga vem dos anos 20, e presumo ter ali o retrato de um antepassado. Naquelas caixas residem também outros documentos, tais como passaportes, licenças de trabalho, carteiras profissionais, receitas, recados, segredos. 

Tive o privilegio de privar muito com o meu avô, na fase final da sua vida. Dos longos diálogos que tivemos, alguns deles antecedidos da observação severa - que isto não saia daqui! Se não os tivesse tido estaria mais pobre, bem como se não recapitulasse toda a sua vida no puzzle das fotografias, estaria mais pobre. Os dois meses que passei a bordo daquele navio que foi a sua casa durante quase trinta anos, serviram, entre outros benefícios para entender o percurso de uma vida.

No filme "nas nuvens", o personagem interpretado por George Clooney usa o exemplo da vida e da mochila. Pela parte que me toca, valorizo muito mais aquelas caixas em tudo o que guardam, do que qualquer móvel de hipotético valor comercial. Espero que aqueles que se seguem, atentem no verdadeiro valor destas e das caixas seguintes, e as incluam nas suas mochilas.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

os piratas

Todos nós pirateamos. Não existe nenhum utilizador de pc, telemóvel ou outro qualquer dispositivo que contenha audio, que não se torne transgressor. Bem como na roupinha. Basta comprar na feira, nos mercados, para nos tornarmos cúmplices da tão  famigerada contrafação. Isto a propósito de um e-mail que um amigo me reencaminhou, sobre uma operação-stop, em que a autoridade, não se ficou pelas verificações do costume, fiscalizando se os cd's do carro eram originais ou cópias, bem como quiseram conferir a autenticidade das roupas dos ocupantes. Achei um bocado exagerado, mas legalmente é possível sim senhor. O que nos leva à seguinte conclusão: se a lei fiscaliza e pune a cópia, que dito por outras palavras, consiste numa aldrabice, a mesma lei deveria punir tudo e todos os que fizeram este país onde vivemos - Portugal. Porque é o que de facto somos, uma cópia de um país à séria. Uma imitação. Uma fraude. ASAE para a AR, já !!!

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

descubra as diferenças

Remeti-me ao exercício de apurar, no meu entender, e desde que sou gente, quais as personagens políticas mais inoperantes. Sabendo que da classe política lusa, pouco ou nada podemos esperar em nosso benefício, nem é assim tão mau que estes senhores se quedem pelo lado medíocre no exercício daquilo que deveriam ser as suas funções, dado que, fazendo alguma coisa, decerto será para lixar a populaça. Os troféus vão para Américo Tomás, e Cavaco Silva, dois personagens que ao longo dos tempos pouco mais fizeram do que cortar fitas, se bem que, o segundo nos tem conseguido prejudicar de vez em quando. No que se conclui que a classe política, independentemente do emblema ou regime, é tudo a mesma m..... Pelo que se aplica muito bem a citação do Eça sobre os ditos e as fraldas, com uma pequena adenda - a responsabilização, ao invés da histórica impunidade.