terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Realidades


Por mais que se goste e se aprecie tudo o que é bom na vida, existe algo inevitável como ter de se pensar no que não se gosta, pois implacavelmente, o que não se gosta bate-nos à porta, mesmo que façamos o exercício de ignorar. Em vão.
Em tempos passados, porque a idade era bem menor, alguns dos “maus” assuntos eram desviados para canto, não por cobardia ou desinteresse, mas porque quando em presença de algum desses assuntos, eu pensava e dizia para comigo, o mesmo chavão utilizado para adiar a leitura dos muitos livros por ler, e o da escuta dos muitos vinis para escutar – quando for mais velho tenho tempo. No caso dos “maus” assuntos, tempo de pensar neles, leia-se.
E o que é um mau assunto?
Um mau assunto é tantas vezes o confronto com a realidade de que hoje existimos, e amanhã logo se vê. Esse tipo de consciência, é proporcional em linha directa ao virar a folha do calendário, e à percepção de que o nosso leque de conhecidos, familiares e amigos se vai reduzindo, numa progressão que bem analisada, assusta pela dimensão, e quase banalizada pela frequentes e sucessivas baixas verificadas.
Hoje, como em outras ocasiões, cruzei-me com a Dona D. A Dona D. e o seu marido inseparáveis que os conheci, eram uma alegria para todos os que com eles privavam. Contagiavam, espalhavam harmonia e boa disposição ao seu redor. Ela reformada do ensino, ele reformado de algo que não sei, mas sei que há poucos meses. Hoje, a Dona D. trajava de escuro, muito escuro, preto. Vinha só e triste. Nos segundos que antecederam o nosso aproximar, tive de pensar a 1000, para que a minha boca não proferisse frases estúpida tais como – então Dona D, onde está o Senhor D? ou tudo bem,Dona D? ou pior, o que é que lhe aconteceu Dona D? Preferi arriscar, ou os meus sentidos e sensibilidade arriscaram por mim um simples – Bom dia, Dona D. Cruzamos um olhar que valeu todas as palavras, ela respondeu-me – bom dia, e seguiu. Mas voltou atrás e chamou-me. E aí disse-me – já sabe que o meu marido morreu?
Sim já o sabia. Mas disse-lhe que não.

2 comentários:

  1. Todos já fizemos algo semelhante. É o instinto.
    Eu sou de extremos consoante a matéria do que não gosto: ou enfrento de caras, ou fujo a vida toda...

    ResponderEliminar
  2. Eu, provavelmente, teria dito o mesmo :) São situações tão dolorosas que uma pessoa fica sem jeito...

    ResponderEliminar

Sputnickadelas