sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Conto

O Caminhante seguia como fazia séculos após séculos, por todas terras, em todos os reinos, mais tarde repúblicas, no seu errante trajecto, dando uma palavra de acalento a uns, providenciando a outros, necessitados, apenas com um toque das suas mãos. Diziam os mais velhos que o Caminhante não tinha idade, que era intemporal, que já tinha visto de tudo, que tudo resolvia, e que a sua bondade era infinita.
Conta-se que dias atrás, em terras de Viriato, se cruzou com um homem que chorava amargurado, e logo ali lhe inquiriu:

Porque choras bom homem? Porque ao homem não fica bem andar por aí a chorar!
Choro porque não consigo entender nada.
Como te chamas, homem que chora?
Chamo-me José, e já agora quem é o senhor, com essas vestes, essas barbas e esse cajado, e esse cheiro a água de colónia Lavanda?
O meu nome não te interessa José, mas chamam-me Caminheiro, aquele que muito caminha, tudo sabe, a todos resolve os seus problemas, e se teu problema é apenas entender, aqui estou para te fazer entender.
Muito duvido, senhor Caminheiro, que tudo sabe e tudo resolve, mas se quizer pode tentar.
Deita cá para fora José, que eu tenho explicação e entendimento para tudo, mas pára com essa mariquice e limpa-me essa cara.
Tem a certeza de que me vai explicar o que não entendo?
Vai fala!
Bem, então é assim, este ano está a acabar e existem uns quantos assuntos que não entendo, mas que gostaria que alguém me explicasse, para que eu pudesse entrar no novo ano com alegria, com esperança numa vida melhor.
Deixa-te de rodeios, que tenho que continuar o caminho, e faz-se tarde, desembucha.
Então meu bom Caminheiro, explica-me porque aqui na minha terra, os senhores que mandam em tudo, compraram submarinos que não vão servir para nada, compraram helicópteros avariados, os banqueiros roubam os seus clientes, e nada lhes acontece, oiço falar de escutas, operações-sucata, Freeport, Casa Pia, e nada parece ter solução ou no mínimo culpados, alguns dos nossos bebés vão nascer em Espanha, pagamos os combustíveis mais caros que os outros, as fábricas fecham, as dívidas aumentam, os desempregados também, e como se isto não bastasse, a TAP apresenta graves prejuízos, e a CP também, e nos CTT a gestão danosa, e oiço falar em TGV's só para passageiros, e novos aeroportos, e parece-me que até morrer vou ter de pagar isto tudo, e dinheiro da reforma nem vê-la, porque a Segurança Social também está falida, mas o senhor dos senhores, aquele que manda mais, diz que estamos bem, e eu não entendo nada, porque parece que não estamos nada bem. Ajuda-me a entender meu bom Caminheiro, que tudo sabes e tudo resolves.
Qual é mesmo o nome destas terras onde me encontro, José?
Portugal, senhor Caminheiro.
...
E mais não disseram, choraram de pulmões abertos, e berraram até que lhes faltassem as forças. Pela primeira vez, em toda a sua eternidade, o Caminheiro chorou, não caminhou, não resolveu, não explicou, porque aquele pequeno país, Portugal, era realmente uma coisa sem explicação.

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