quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Carta Aberta


Menino Jesus,

Creio que te posso tratar por tu, pois afinal, já nos conhecemos praticamente desde que me conheço. Bem sabes que sempre fui teu fâ, desde a tenra idade em que enfeitava um verdadeiro pinheiro de Natal, com algodão, bolinhas que se partiam, e chocolates embrulhados em pratas que depois serviam para, devidamente endireitadas, colocar entra as folhas dos livros. Deverás lembrar-te da magia nos meus olhos, ao fazer o presépio com musgo, os lagos com espelhos, os caminhos com farinha e tu nas palhinhas, já para não falar da restante comitiva, reis magos, José, Maria, as vaquinhas, e os mémés, de um presépio que se perdeu entre Almada e Lisboa. Sabes-me aficionado da época natalícia, pois tu tudo sabes, e quem sabe, sentes. Sabes que não perdi o espírito, que mantenho os presépios com musgo, que vou ao mato em busca dos bugalhos, dos ramos secos, e que o clima desta época sempre me foi particularmente saboroso. Não te vou enfadar com os detalhes, pois tens mais a quem dar atenção, e afinal, tu tudo vês.
Mesmo assim, a ti que tudo sabes, e que tudo vês, pois sendo Jesus, estás capacitado para tal, decidi escrever-te, não à laia de justificativa, mas mais em desabafo – por decisão da malta, este ano não vai haver Natal cá em casa. Não é nada pessoal, pois nada temos contra ti, como sabes, mas este ano, vais ficar onde estás, lá no sótão, nos caixotes, e nas palhinhas, junto com a comitiva. Ficam vocês, e todos os restantes adornos da época, bem como não irei ao musgo, talvez quanto muito, mantenha aquele passeio matinal do dia 25 que tão bem me sabe, e tu bem sabes. Também deves saber porque foi tomada esta decisão, e peço-te que entendas, é que não há mesmo vontade. Este ano não há “espírito”. Este ano o teu Pai decidiu levar-nos, primeiro ao meu primo, e há dias, o João, e isso não nos mata, mas derruba-nos, leva uma parte de nós. Já procurei razões, mas como sabes, sou limitado de horizontes, busquei os tradicionais, mas apenas encontrei motivos contrários, ou seja, encontrei apenas justificações para que eles ficassem por cá mais uns anitos, por melhor que se esteja por aí. Afinal, eram novos, bons pais, maridos, e certinhos. Não sei se deste por isso mas até tiveram as suas missas, antes de te serem enviados, e os padres bem invocaram o teu nome, o teu e o do teu Pai. Bem, porque te estou a dizer isto tudo? Afinal tu sabes, tu vês, e espero que sintas. Eu, porém, não sei, e isso mexe muito comigo. Fica bem.
PS
Se puderes, e se entenderes, acalenta a B, afinal ela tem apenas nove anos, e um Natal sem o pai, custa, digo-te eu, a ti, que nunca passaste por isso. É que neste porém, eu te garanto, sei, e sinto.

3 comentários:

  1. Ai Sputnick, este mexeu comigo... Deixo um sorriso. Hoje, e especialmente hoje, um sorriso enorme...

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  2. É precisamente quando a disposição é menor que não se deve sucumbir a ela. O Natal é uma festa de família, os que foram hão-de ficar tristes se passares «por cima» dela! Tira mas é as coisas do sotão; enfeita a casa e chama a B e os restantes. Faz com que ela sinta que a vida continua e que não está sózinha. Esse seria o esforço magistral e, como todos os esforços magistrais, ficaria na história, na vossa e na das crianças :):)

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  3. CF, obrigado pelo sorriso.
    Antígona, a decisão não é só minha.
    Obrigado a ambas :):)

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Sputnickadelas