terça-feira, 17 de maio de 2011

o fim último da vida não é a excelência





"Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas.

Pelo contrário: estão inavriavelmente mergulhados numa angústia, e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê. Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar. Hoje não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe:

- o jardim escola aos três.

- a natação aos quatro.

- as lições de piano aos cinco.

- a escola aos seis

- um exército de professores, explicadores, e psicólogos como se a criança fosse um potro de competição.


Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades modernas:

- a vida não é para ser vivida - mas construida com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito.

- é preciso o emprego de sonho.

- a casa de sonho.

- o maridinho de sonho.

- os amigos de sonho.

- as férias de sonho.

- os restaurantes de sonho.


Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro:

- Quanto mais temos mais queremos, quanto mais queremos, mais desesperamos.


A "meritocracia" gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade.

O que não deixa de ser uma lástima.

Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade".



texto de João Pereira Coutinho, jornalista



1 comentário:

  1. Gosto muito do João Pereira Coutinho. Tem um excelente capacidade crítica e analítica. Não deixa porém, por vezes, de se influenciar por visões demasiado idealistas. Ainda assim, e no texto em questão, não deixa de ter o seu quê de razão.

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