sexta-feira, 26 de março de 2010

Chamamento

D.F ficou viúva naquela idade em que não se é muito nova nem muito velha, na casa dos cinquenta, o marido, esse, foi-se na idade que dizem ser a madura, aos sessenta. O cancro levou-o. D.F trajou o preto de rigor, e de rigor vestiu a sua alma, ficando-lhe de consolo, os cinco filhos, e os netos. Dos filhos, o mais novo, cópia chapada do pai, movia-lhe, à D.F, um misto de saudade, e orgulho, pela extrema semelhança. Com os anos chegam à D.F as mazelas costumeiras, perde quase toda a capacidade de ver, e de se mover, começando a depender de terceiros, sente-se a mais, porque não quer dar trabalho. Mas lá foi indo, na sua vida meio cinza, até que novamente o cancro lha bate à porta, e D.F vê partir o filho, o mais novo, o que era igualzinho ao pai. Precoce o filho, que se foi na casa dos quarenta. A vida cinza de D.F veste-se então de negro, um negro para sempre. Vegeta entre um quarto escuro, e uma sala, que ela mesmo quer escura, rodeada de dezenas de fotos e lembranças dos defuntos, com as suas dores, as físicas e as outras, com os seus sofreres, os seus ais, daqueles que vêm das entranhas, lastimando-se a todo o intante - porque é que Deus não me chama... o que é que eu estou aqui a fazer?
Quem sabe, Deus ande algo ocupado e preocupado com as travessuras que os homens de batina, que professam a Sua palavra, têm vindo a fazer por aqui, cedendo ao mais nojento dos pecados, e não escute os pedidos de D.F. que entre cada supiro, pede o chamamento.
Por mais fria que seja a conclusão, a D.F tem razão. Tem-na. Toda a razão.

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Sputnickadelas