terça-feira, 8 de junho de 2010

do Passado e de um (hipotético) Futuro


Passei há dias pela praia dos Coelhos, lembras-te? Ainda recordo o momento em que entráste no carro, com aquele teu aroma, fruto do que te é natural, com a fragrância que nunca abdicaste. Mesmo nos detalhes, eras fiel. Até ao momento do encontro, tudo fora nervosamente preparado, e cuidado, para causar a melhor das impressões, o que nunca acontece, pois sempre se esquece de algo, e quando nos damos conta, já é tarde. Mas tu não ligavas a isso, eu é que pensava que sim. Da cassete no auto-rádio com os FYC, à camisola que me ofereceras naquele verão atrazado, tudo foi conjugado para causar a melhor impressão, tal qual o pavão que abre o leque para impressionar a fêmea. Vejo-te ao longe, és inconfundível, as formas, o cabelo, denunciam-te entre a multidão parda. Irradias. És jovem, tudo está no seu lugar. O coração bate mais forte. Preparo uma chegada à Fangio, outra extensão do meu lado pavão, não correu bem, quase te atropelo, pois corres para o carro, excitada. Nervosos, devoramos aquele abraço apertado, aqueles corpos colados, e o beijo que sorvemos sofregamente. Olhamo-nos, tocamo-nos, como se a confirmar que está mesmo a acontecer, e caimos outra vez naquele beijo, longo, saboreado, molhado, que nos pede para sairmos dali. Os FYC entram em cena ao toque no botão, tu sorris e dizes, ah os meus favoritos. Como se eu não soubesse, pavoneio-me em pensamento. Entre pequenas carícias, beijos roubados, mãos vagueando aqui e ali, chegamos à beira mar, é fim de tarde, os veraneantes abandonam o areal, nós instalamo-nos num recanto, e a dado momento, só nós e as gaivotas partilham a praia, onde nos despimos de tudo, e apenas elas ouviram os nossos gemidos, enquanto o mar passa saborosamente a lingua, na areia.

Mais tarde, já escurecia, entrámos na água, o teu corpo enroscou-se no meu, e desta vez, foram as gaivotas e os peixes a presenciar aqueles ais e uis reflectidos na água.

Ao jantar, no Portinho, a luz indirecta, relaçava-te o rosto, a pele ainda salgada, os cabelos revoltos, e o teu olhar de quero mais. Sorviamos o BSE e sorviamo-nos com os olhares cúmplices. Como te conheço esse olhar, que apura com uma bebida... E os pés, que, descalços, por debaixo do pano, não paravam de confirmar aquilo que os olhares pediam, passeavam-se, tocando os pontos do alfabeto, demorando um pouco mais onde deviam demorar. De saída, os teus olhos continuavam a querer mais. Não só os olhos, mas todo o teu corpo. O meu também. E dei-te mais. Muito mais. Reescrevemos as boas partes do nove semanas e meia.


Mas bem vez que , a repetir , num futuro, a coisa seria técnicamente difícil:

Tudo seria complicado. Desta vez ir à praia dos Coelhos já nos cansaria um bocado, e acredita, mesmo que apenas fossemos a banhos. Os FYC em cassete, já não tenho, e decerto que os posso colocar num CD, esse não seria assunto problema, mas avistar-te ao longe? Humm, duvido, é que hoje uso óculos, e aquela visão de falcão, foi-se, e presumo que tu, hoje, já estejas menos inconfundivel, um pouco confundivel mesmo. Mas com o telemóvel, decerto que te encontraria na confusão da parda multidão. A camisola, já não a tenho, o teu perfume já não os vejo nas lojas, resta-me imaginar se o teu odor permanece.

Hoje decerto, eu não chegaria à Fangio, estou mais prudente, e tu decerto, não correrias para o meio da estrada, os joanetes não to deixariam. Os beijos? Sim claro, mas espera, tiremos os óculos que atrapalham, e o travão de mão, aqui pelo meio? Antes, nem se dava por ele. Espero vivamente que conserves ainda os dentinhos todos, os meus ainda cá estão, mas os teus...não sei.
Na praia tens vergonha do corpo, conservas a roupa que envergas, larga, flácida, a compor o ramalhete, já não são as formas que conheci. Como te entendo, enquanto te digo mentindo que é tolice, pois revejo-me, no estado em que ficou o meu,em cada corajosa observação. Já nada está no seu lugar, estamos desordenados. Dificilmente rolariamos os corpos na areia, por causa das constipações, contusões, dores no joelho, articulações ferrujentas, e afins. Ir ao banho e repetir tudo? Mas nem que quizesse, a natureza dá-se a conta-gotas.
Não abdicariamos do jantar e daquele vinho que tão bem soubemos tomar, mas o assunto dos pés brincalhões, já dependeria do reumático. E quanto ao quero mais, certamente, que esqueceriamos do que se queria, pois a memória já não é o que era.
Por vontade, repetiria tudo, mesmo tudo, mas bem sei, que de facto, e em rigor, apenas se cumpriria o BSE, e já seria muito bom. Ah, e claro, esse teu olhar.
F I M


2 comentários:

  1. Linda história. E já agora, desse futuro, tenho para mim, que o tal do olhar, às vezes vale por quase tudo. Quase.

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Sputnickadelas