quarta-feira, 7 de abril de 2010

Dois mundos e os sonhos



Escuto a criatura a falar sobre as tecnologias e dos desafios do futuro, dos carros eléctricos, das energias renováveis, dos comboios de alta velocidade, e já não pasmo. Já me acostumei. Toquei muitos anos com uma pessoa que fugia de tal forma da realidade, fingindo acreditar nas próprias mentiras, ao ponto de quase convencer os colegas de que o seu discurso era verdadeiro. Vive esta gente portanto, num mundo deles.

A criatura diz a sorrir que Portugal vai ser um país moderno, virado de frente para o tal futuro, mas... e o presente? Será que ele, e os que gravitam à sua volta não notam a crescente degradação das condições mínimas de qualidade de vida do pessoal? Não se dão conta estas criaturas, que todos os dias aumenta o desemprego, e morrem as esperanças de futuro dos jovens? Ou que todos os dias mais empresas fecham as portas? E os cada vez mais endividados? E os roubos e insegurança? E o escândalo das reformas antecipadas? E os portugueses que querem ser espanhois? O que interessa aos jovens, muitos deles licenciados, muitos deles especializados, em comboios a 300 à hora, e Magalhães nos infantários, se nem sequer vislumbram uma chance de, em futuro próximo, poderem fazer o normalzito sonho - ter um emprego, juntar trapinhos, constituir família, comprar casa e carro. Esta geração a que me refiro não é rasca, é sim, uma geração endividada, herdeira das dívidas alheias que lhes caírão em cima. É uma geração de sonhos castrados, caso não emigrem para um país decente, pois em Portugal não há lugar ao sonho nem ao normalzito.

Tal como disse e muito bem, um entrevistado, no documentário que passou ontem na SIC sobre o abismo grego - os gregos já não sonham, exibem semblantes tristes e carregados. Por aqui também. A seu tempo, inevitavelmente, ficaremos sem sonhos, nem que nos revejamos nos nossos filhos, já que quem vai sofrer mais serão as gerações futuras.

Por isso, confunde-me a aparente apatia dos portugueses. Não entendo porque não se chamam os bois pelos nomes, e porque não começamos a dizer, basta.

O exemplo da Grécia devia de nos servir para algo mais do que os lamentarmos, como se aquilo que é lá, não esteja já, aqui.

Talvez seja sina mediterrânica - tal como na Grécia, a malta está falida, mas afoga as mágoas, no futebol.

Eu, nem que quizesse, podia usar desse recurso... sou do SCP.

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