segunda-feira, 12 de setembro de 2011

o papel do papel no chão

Recebeu o talão da caixa multibanco, olhou-o com ar resignado, depois muda-se-lhe o semblante e irado, rasga-o, faz com ele uma bola e manda-o para o chão. Sabendo-se observado pelos restantes presentes em fila indiana, e adivinhando as reprimendas contidas, desabafa - se não tenho dinheiro, nem os meus filhos vão ter um futuro limpo, não tenho nada de ser certinho. Mando os papeis para o chão cada vez que me apetecer, ouviram? E com estas palavras se foi, deixando os ouvintes entre o consenso e a censura.
Em certa medida, e não sabendo do possível desespero deste homem anónimo, não deixo de o entender. Afinal pedem-nos para sermos honestos, para pagarmos as nossas continhas, para pouparmos na água, na energia, para sermos ecológicos, para não poluirmos, não fazermos lixo, para deixarmos a mais pequena pegada ecológica, e tudo isto em nome de uma melhor sociedade, de um melhor mundo, para os nossos filhos. Mas... que futuro dos filhos? Quando os nossos filhos apenas podem aspirar a um futuro incerto, porque nem as condições mínimas de dignidade de vida lhes são garantidas? Porque têm os nossos filhos de aspirar um mundo limpinho e higiénico para os seus filhos, quando filhos decerto não terão, porque aqueles que deveriam cuidar desse equilíbrio nos poluíram muito mais que o globo, minaram a nossa alma e esvaziaram os nossos bolsos?
O homem que deitou o papel para o chão decerto terá motivos para expressar a sua indignação e revolta, muito para além de um mero acto de não civismo. Na medida em que as pessoas deixarem de ter condições mínimas de sobrevivência aumentarão os papeis no chão. E tal como se pede que os ricos que paguem a crise, não deixa de ser legítimo exigir-lhes que sejam eles a varrer o lixo que por aí virá.

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