sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Ironias


Sempre foram aquele casal típico em que o homem trabalha e a mulher, dona de casa. O fruto da união, uma menina. A mulher sempre foi a cabeça de casal, nas decisões e nas vontades. Ele sempre foi aquela pessoa chamada de paz d'alma, aquele que foi sempre dizendo amen às decisões de mãe e filha, que entretanto crescera, e adquiriu os tiques maternos. Com a reforma, ele começa a ficar mais por ali, por casa, ou entre a casa e os biscates. A elas, mãe e filha, a presença dele não lhes agradava. Desdenhavam-no. Dele, bom mesmo só o dinheirito amealhado durante os anos de trabalho, mais aquele que recebera por reforma antecipada, que junto com o restante, que copiosamente lhe caía mensalmente na conta bancária. Aos primeiros sinais de debilidade física dele, logo ela se antecipou na decisão, afinal não mais que o desejo, que muitas vezes lhe escutei - que ele morreria em breve, e finalmente elas, gosariam belos passeios, jantares em lugares chiques, e férias de sonho, pois com ele por cá, não dava para ir. Ele não tinha classe. Aqueles sítios não eram para ele. Diziam elas como que em coro. Havia pois que encomendar o caixão. De tantas encomendas à morte, a dita, lhes bateu à porta. Não a ele, mas a ela. Os anos passaram, e hoje com antes, o vejo vejo passar, na lufa dos seus biscates, velho e trémolo, como que teimando em resistir à profecia da defunta. Diz a filha, solteirona, a partilhar casa com ele, que não vê o seu futuro sem o pai. Coisas da vida e do seu inverso. Ainda hoje o vi, e veio-me à memória aquele ditado das linhas tortas.

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Sputnickadelas