quarta-feira, 14 de novembro de 2012

14/11

Farias hoje 78 anos. Mas nem aos 61 chegaste. Uns dizem que é o destino. Outros, que é a vida... controverso modo de apelidar a morte, dizer que é a vida. Mas enfim, é o nosso lado do fado, do dramático. Decerto estarias um velho tranquilo, bem reformado, em harmonia com a família, as tuas moedas, os teus selos, as tuas voltinhas à beira mar. Ou talvez não, talvez as limitações da idade te não dessem a chance desses pequenos prazeres, mas tal como a senhora minha mãe, com quem casaste, decerto saberias tornear as dificuldades e tirar partido do possível. Estarias mais rabugento, eu mesmo já estou... teria de haver paciência para te aturar, mas tudo isso faz parte do universo dos afectos. Terias tido o avô por cá mais uns anos, deduzo. Creio que o avô se foi, logo a seguir a ti, por consequência da tua partida. Ironia das ironias, um homem que tanto valeu a tantos, e sempre lhes abriu as portas, acaba por não encontrar nenhuma (porta) aberta na velhice. Ficar velho, sem amparo, é fodido. E fatal.  Voltando a nós - muito ficou por fazer, muito ficou por dizer, não se gastaram as conversas, não se falou de tudo que sabes que eu sei, e nem daquilo que julgo que sei que sabes. Soube que das tuas últimas palavras disseste que me levavas atravessado. Pois, eu entendo-te, talvez por isso eu possa pecar por exagero quanto aos teus netos, porque estou sempre a tagarelar, até à exaustão. Não tivemos os tão ambicionados serões à lareira, nem reabilitámos os nossos jogos tidos na Rua de Arroios, e na Costa, o xadrez, a canasta, o crapô. Tão pouco houve tempo para te ensinar a tocar viola, ou pelo menos tentarmos, dado que, como sabes, sou pouco paciente. E voltando de novo ao avô - irónico também que, por via da tua partida, foi ele que, durante alguns tempos, e belos tempos, usufruiu dos nossos planos (os meus e os teus). Foi com o avô que tive longas conversas, algumas que levarei comigo, bem como lhe escutei narrativas das viagens do navio, das terras e pessoas que conheceu. Foi o avô e não tu que deu belos passeios ali pelas redondezas da minha casa, alguns, até à casa da ex-nora. Foi o avô que comeu e bebeu até se fartar, pois grandes petiscos lhe fiz, com toda a dedicação. Digo-te isto tudo, porque sou daqueles que não acredita que os mortos andam por aí a ver as coisas dos vivos, e a ler-lhes os pensamentos e etc. Pois se assim fosse não estaria para a aqui a gastar latim.Por isso, e para terminar, renovo o que já disse no mês passado - depois destes anos, fica a saudade. E ficam as recordações, essas sim vivas, porque quem parte, se estimamos, permanece sempre vivo dentro de nós. Por isso te escrevo hoje. Por isso tenho o teu Omega no pulso.

Teu filho

PS just in case
Se eu estiver errado, e existir o tal céu, e todo o restante assunto que os padres dizem haver, dá um beijinho à avó, e outro ao avô.

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