terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Relatos do Grão Ducado 3, ou, Querido Diàrio

Querido diàrio, pelo enéssimo dia, não hà sol. Não havendo sol, não hà azul do céu, os dias repetem-se em tons de cinza, e escuridão, dignos de um conto de Poe. Mas não penses, querido diàrio, que este que aqui te escreve, sofre daqueles estados depressivos tão comuns, relatados por aqueles que sofrem de tal maleita. Atrevo-me a arriscar que a ausência do astro rei, não justifica o bater no fundo. Senão como explicar o elevado nùmero de depressivos no meu paìs? Coisa que não falta là em baixo, é o sol, é aquele céu de um azul ùnico, o mar, que nos pinta com os seus salpicos. Não, meu diàrio, o tom do céu, não tem culpa. 
Não me queixo, mas contudo não me acomodo. Prefiro pensar nas compensações, nas comparações inevitàveis que com tristeza constato no dia a dia. Se não fores rico ou bem remediado no meu paìs, mudas a agulha do viver para sobreviver, a tua dignidade, o teu rasto, o teu cadastro, as tuas obras, os teus sonhos, não serão valorizados, e o teu ânimo pode com facilidade resvalar para um limbo letàrgico.
Sei, diàrio meu, que por aqui nem tudo são rosas, nem nunca poderia ser. Mas convenhamos, sabe bem, o reconhecimento da nossa arte, sabe bem a remuneração condigna. Bem como a gestão dos tempos de trabalho e de lazer. Aqui, exerço a mùsica em pleno. Aprendo-a. Reaprendo-a. Faço uma gestão dos espaços temporais. Sem stress. De igual modo, sabem bem os detalhes pràticos que por aqui observo. Falo dos preços dos bens de consumo, muitos deles abaixo dos de là de baixo, falo do gasòleo a um euro, da ausência das portagens, dos selos nos carros, da limpeza das ruas, da segurança, da qualidade dos edifìcios. Mais importante ainda, o cuidado que esta gente por aqui tem com a Saùde, da proteção prioritària aos idosos, às crianças e aos cães. E por isso espelham a felicidade e a qualidade de vida, mesmo que não vejam o sol, nem o mar.
Devias ver, querido diàrio, em que se ocupa este pessoal, compram livros para os ler, os cd's para os ouvir, os dvd's para os ver. Praticam muito desporto, e curiosamente pouco ligam ao futebol, talvez porque pensem como eu, que o futebol profissional não é desporto, mas sim uma espécie de desporto. Pouco se perdem pelos poucos espaços comerciais fechados, que aqui usam horàrios eficientes e não deficientes. Vê là tu, diàrio meu, se era possivel, no meu paìs, os centros comerciais fecharem às sete da noite, e aos domingos? Os patrões ameaçariam com despedimentos, o Zé Tuga, ficaria sem chão. Para onde iria o Tuga num paìs repleto de locais que os turistas adoram, e com o tal céu e mar que aqui me falta. Seriam decerto mais depressões. Aqui, divertem-se com tarefas caseiras, de jardinagem, hobbies saudàveis, visitam museus, exposições, tudo num tom descontraìdo e discreto. E fazem férias. Muitas férias. Vàrias vezes ao ano. A preços escandalosamente baratos para o Tuga... imaginemos para eles. 
Por isso meu diàrio, sinto-me bem aqui, nesta roupa que jà trazia vestida, mas que estava camuflada. Não te deixes assim vestir, assim canta o Sérgio Godinho.
Não quero aqui afirmar, meu diàrio, que porque enalteço aquilo que jà te escrevi, a cartilha sirva para a geral. Apenas que, devemos aproveitar e arriscar em vez de nos acomodarmos. 
E se estamos no registo do primeiro dia do resto da tua vida tenhamos a ousadia de dizer mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Pois na mudança revivemos e evoluimos. Hoje eu sei dizer duas palavras em luxemburguês, e ando a desenferrujar o francês. Não me prendo apenas à realidade do meu rectangulo. Absorvo outras realidades. Hoje eu domino mais algumas técnicas na guitarra, exijo algum rigor porque ele me é exigido. Modéstia aparte, canto melhor. E tudo isso porque mudei para o modo viver.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Relatos do Grão Ducado 2, o modo Avatar

O modo Avatar é tão somente o modo interruptor verificado no filme. Onde o protagonista principal da història muda literalmente de mundo, com pouco mais de um click. Mudar de Portugal para o Luxemburgo, ou o inverso não é tão radical, muito menos serà se por uns dias. Contudo se somos residentes, aì tudo se intensifica. E as diferenças surgem à tona.
A volatilidade com que nos deparamos, nesta transição mede-se em horas. Poucas. Num momento estamos aqui e noutro momento, estamos ali. Vista a coisa no Google maps, é simples. Afinal são duas horas e meia. Mas atendendo ao detalhe, logo verificamos que o aqui é um mundo e o ali é outro. Estou desde Novembro de 2014, e gradualmente a viver neste vai-vem. Apanho o avião com a emoção de apanhar o autocarro. Longe daquele fervilhar que antecedia os voos de outrora. Não alimento neste vai-vem o pensamento do Variações quando cantava que sò estava bem onde não estava. Sei que nesta nova pele me sinto bem, que faço o que melhor sei fazer: tocar e cantar, que tenho mais tempo para mim, e por isso, mais e melhor tempo para os outros. Que tenho um novo mundo e emoções para explorar. Que tenho construido novas amizades. Que estou a aprender: linguas, novas mùsicas, o Fado, Història local. Em suma, evoluo, e não estagno. Mesmo não havendo tantos outros motivos, seriam estes, mais que suficientes para que este Avatar que hà em mim, tivesse, em boa hora aceite o desafio de largar o cobertor da zona de conforto. 

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Relatos do Grão Ducado 1

                                                  (escrevo com erros de acentuação dado que este teclado é ucraniano ou coisa parecida)
Talvez seja desta. Que me vem de novo a veia de escrevinhar o que me vai no interior da alma. Tenho reflectido inumeras vezes sobre voltar aqui, ou deixar tudo emparedado no universo virtual, cada vez mais presente no nosso dia a dia. No entanto um dia sem net é um dia feliz. De liberdade. De não dependência. Um dia, escrever-se-à sobre isto. Não tenho duvidas. Largar este blogue com a sua historia, afinal, parte de mim, não me agrada. Mantê-lo sò porque sim, também não. 

Estou actualmente, quase em permanência no Luxemburgo. Para ser mais preciso, no norte de França, a cerca de dois quilometros deste pequeno paìs. Serà essencialmente sobre as impressões de um português a morar fora da sua zona de conforto, como agora é moda dizer-se, que me irei debruçar nos textos vindouros. As experiências que atravessamos, ou nos atravessam, são pessoais, mas também possuem uma boa dose de parecença com as de outros. Estar por aqui em tempo real, sem ser um turista, faz-me ver entre outras coisas, as coisas de forma diferente, seja nos conceitos e preconceitos que tantas vezes criamos, por informação errada, deturpada, por convicção, e afins. Ou até mesmo porque estupidamente queremso que seja assim. Falo do chavão "emigrante", palavra que não gosto. Falo da cultura, hàbitos e tradições de outros povos. Falo com a consciência, agora humilde, de que apesar de ter conhecido dezenas de paises, em três continentes, afinal, não os conheci. Apenas, estive là. Belisquei-os. Sermos romanos em Roma, sem deixarmos para segundo plano as nossas raizes é essencial.

A experiência de vida que venho a ter desde hà pouco mais de dois anos, consolidada a tempo inteiro desde meados do ano passado, tem sido gratificante a todos os niveis. Nunca pensaria eu, que no limiar dos sessenta anos, (sexagenàrio, outra palavra que detesto) a vida me oferecesse tal desafio e me colocasse à prova. Prova essa que com altos e baixos, rosas e seus espinhos, tem sido superada. 

Como tão bem diz a frase: podemos sempre fazer um novo futuro.